quarta-feira, 3 de março de 2010

Pondo a mão no fogo por Sándor Márai

Um amigo, Moacir Amâncio, amante da literatura e professor da USP, comentou certa vez que nem ao escritor mais renomado se deveria permitir enfadar os leitores por mais do que algumas páginas. É uma ideia mais do que interessante. Aceita-se normalmente que um Balzac, um Joyce, um Dostoiévski nos impinjam vinte ou trinta páginas monótonas, porque acreditamos -- com base na opinião de milhões de leitores -- que na página 21 ou 31 o gênio finalmente se mostrará. Com escritores obscuros nos impacientamos logo na primeira página e, às vezes, até no parágrafo inicial, arriscando-nos a deixar de apreciar talvez um bom livro. Sándor Márai é um escritor que teve grande prestígio na Europa, na metade do século passado. Sua obra não é muito conhecida no Brasil, mas, embora eu até agora tenha lido só pouco mais de cem páginas do seu romance De Verdade, digo sem receio que ele é um desses autores aos quais os apreciadores da boa literatura estão sempre dispostos a conceder crédito por uma infinidade de páginas e livros. Desse romance (traduzido por Paulo Schiller e publicado pela Companhia das Letras), centrado nas contradições do amor e da paixão, extraí este trecho:

"Mágoa. Vaidade. É o que você encontra no fundo da maioria das enfermidades e das desgraças humanas. A vaidade. O orgulho. O medo, porque por orgulho as pessoas não têm coragem de aceitar o dom do amor. É necessária muita coragem para que alguém aceite ser amado sem resistência. Muita coragem, quase heroica. A maioria das pessoas não sabe dar nem receber amor: por covardia e vaidade receia o fracasso. Tem vergonha de se entregar, e mais vergonha ainda de revelar ao outro seu segredo. O segredo humano, triste, de que ela precisa de ternura, que não vive sem ela."

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