sexta-feira, 16 de abril de 2010

Pequenas alegrias urbanas (27) -- Expurgo

Chorou três meses por um amor não correspondido. Definhou. Seus olhos ficaram baços, seu rosto murchou, e o sono que não o visitava à noite começou a atacá-lo impiedosamente durante o dia, no escritório. Perdeu o emprego, e seu ofício passou a ser o de andar sem rumo, lançando maldições ao sol, ao vento e à lua. Todos os cachorros da cidade já haviam latido pelo menos uma vez para ele quando, finalmente, sua frustração e seu ressentimento se apaziguaram um pouco e, em vez de caminhar incertamente pelas ruas para gritar sua revolta, ele se tornou sócio de uma biblioteca e agora todo dia ali, calmamante sentado, executa seu plano de desforra: nos livros que lê, sempre que aparece a palavra "amor" ele aperta a caneta preta como se fosse uma faca sobre ela, para estigmatizá-la, para castigá-la, para destruí-la, para matá-la. O primeiro livro em que fez isso foi Romeu e Julieta.

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