quarta-feira, 28 de abril de 2010

Pequenas alegrias urbanas (73) -- O braço

A viagem era longa, três horas (uma a menos para ele, que descia numa cidadezinha antes da última), e, embora a estrada fosse boa e os ônibus da linha modernos, ele torcia sempre para compartilhar o percurso com um passageiro daqueles que gostavam de conversar. Naquela tarde, pareceu-lhe estar com sorte quando uma mulher de uns vinte e cinco anos, muito bonita, sorriu, pediu licença e sentou-se no banco junto à janela, ao lado dele. Ele sorriu também e disse: "Dia gostoso para viajar, não é?" Ela ignorou essa e as outras perguntas com as quais ele, de cinco em cinco minutos, fazia novas tentativas. Meia hora depois, quando ele tinha desistido de conversar, sentiu um roçar de braço. A mulher, com o rosto encostado na janela, olhava a paisagem, mas seu braço avançava, milímetro a milímetro, sobre o braço dele. No início ele manteve o braço imóvel, mas aos poucos foi também deixando que ele correspondesse à pressão do outro braço. Parecia-lhe evidente, agora, que a mulher procurava contato com o corpo dele. Bem melhor aquilo do que conversar, ele pensou, sentindo uma lassidão morna e deliciosa. Foi criando confiança e encostou o braço quase com força no braço da mulher, deixando-o escorregar para baixo. Quando olhou para o rosto dela, buscando cumplicidade, observou que ela dormia profundamente e que o braço dele estivera todo aquele tempo apoiado não no braço, mas na bolsa dela, que tinha deslizado para cima da perna dele. Desapontado, quando chegou o ponto em que descia, carregou junto com sua mochila a bolsa da mulher. Era uma paga talvez razoável para tão grande decepção.

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