terça-feira, 13 de abril de 2010

Sobre as cartas de amor

Alguém deve ter dito que toda carta de amor é sublime. Alguém deve ter dito que toda carta de amor é ridícula. Embora meu primeiro impulso e minha simpatia me incitem a aceitar a primeira frase como a que expressa a verdade, algo me aconselha prudentemente a não desacreditar a segunda. Essa reflexão foi motivada por um romance de Vladimir Nabokov, A Verdadeira Vida de Sebastião Knight (tradução de Brenno Silveira, editora Francisco Alves). No livro há a carta de um amante, em que o tom, exceto uma pitada de sarcasmo, pretende ser elevado e talvez seja, para quem escreveu a carta, se bem que seja imprescindível contar com a boa vontade de leitores alheios ao caso amoroso (isto é, excluídos o amante e a amada) para ver em certos objetos, tidos como quase fetiches pelo amante (e possivelmente pela amada), a mesma magia. Aqui vai o trecho da carta:

"Adeus, meu pobre amor. Jamais a esquecerei ou substituirei. Seria absurdo de minha parte procurar persuadi-la de que você era o amor puro, e que esta outra paixão não passa de uma comédia da carne. Tudo é carne e tudo é pureza. Mas uma coisa é certa: fui feliz com você e, agora, sou infeliz com outra. E assim prosseguirá a vida. Gracejarei com os colegas de escritório e desfrutarei de meus jantares (até contrair dispepsia), e lerei romances, e escreverei versos, e não perderei de vista os meus negócios... e, de um modo geral, agirei como sempre agi. Mas isso não significa que serei feliz sem você... Todas as pequenas coisas me lembrarão você... o olhar de desaprovação lançado à sala em que você afofou as almofadas e falou com o atiçador de fogo, junto da lareira... todas as pequenas coisas de que descríamos juntos... tudo isso me parecerá sempre a metade de uma concha, a metade de uma moeda, de que você possui a outra parte. Adeus. Vá embora, vá embora. Não escreva."

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