sábado, 1 de maio de 2010

Pequenas alegrias urbanas (78) -- Lembrança

Fazia uma hora, já, que os homens estavam tirando do caminhão os móveis da família que no sábado ensolarado se mudava para o sobradinho verde finalmente ocupado, depois de ostentar por três anos a placa de vende-se. Pela fresta da persiana, a velha e solitária mulher que morava na casa em frente acompanhava a ida e vinda dos homens, para dentro e para fora do sobradinho, não porque lhe interessasse ver se eram bonitas as poltronas dos novos vizinhos, ou modernos o freezer e o micro-ondas. Esticava o pescoço, ouvindo o apaixonado bater do coração, para ver se aparecia no outro lado da rua, no meio das mesas, das cadeiras, dos tapetes, dos quadros e do resto, um gato. Podia ser pequeno, médio ou grande, branco, preto ou cinza, podia até ser feio, desengonçado e doentio como aquele que os vizinhos antigos tinham levado três anos antes e que ela gostava tanto de ver quando, nas manhãs de sol, vinha se espreguiçar diante do sobradinho.

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