domingo, 6 de junho de 2010

Pequenas alegrias urbanas (179) -- A rima

A família levou um mês desconfiada de que os suspiros de Leninha, a filha de dezenove anos, eram provocados pelos olhos negros e pelo rosado rosto do novo balconista da padaria, recém-chegado de Portugal, e já estavam todos até começando a achar menos inaceitável o pretendente, não só pelos belos olhos e pelo saudável rosto, mas também por ser sobrinho do dono, quando, interrogada diretamente pela primeira vez, Leninha se indignou e disse que se enganavam se achavam possível ela se apaixonar por alguém tão insosso e presumivelmente sem instrução - o que aliviou os parentes até o instante no qual ela declarou, sem rodeios, que seu coração batia pelo professor Adroaldo, homem de posição sólida, tanto que iria se aposentar dali a dois anos e se dedicar totalmente à poesia, da qual era cultor exímio, o que ela poderia provar pelo último soneto dedicado a ela, no qual o professor rimava no terceto final "juventude" com "senectude", tendo essa última palavra causado um princípio de chilique na avó, que a relacionou a um censurável hábito sexual.

Nenhum comentário:

Postar um comentário