domingo, 12 de dezembro de 2010

Situações (194) - Palavras, palavras

Descobriu que não é bom ter intimidade com as palavras. Ele as conhece há tanto tempo que elas não o respeitam mais. Sente no peito a rosa, seus espinhos, suas pétalas, seu aroma e, quando escreve rosa, não há espinhos, nem pétalas, nem aroma. São quatro letras, só, como em roda, moda, soda, subalternas palavras. Sente na alma o amor, a vertigem que ele traz, o desvario, e, quando escreve amor, se sente vazio. Ultimamente, anda enternecido pela ideia de suicídio. Repete a palavra - suicídio, suicídio -, e a escreve, e a reescreve. Não viu ainda, no papel, a comoção e a esperança que o dilaceram quando diz baixo: suicídio, suicídio. Receia que, assim como as outras, também esta palavra o decepcione. Nas primeiras vezes em que a pronunciou, ela soava como um sussurro. Agora, aflito, ele chora por ela, ele a invoca, ele grita por ela, enquanto tenta passar para o papel o choro, a invocação, o grito, como tentou passar os espinhos, as pétalas, o aroma, como buscou passar a vertigem e a ânsia do amor.

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