domingo, 23 de janeiro de 2011

O fruto

No início o rancor
foi muito prazeroso

Escorria como o sumo
de um fruto generoso
e era bebido com uma sofreguidão
que o fazia transbordar da boca
descer pela garganta
e fluir para o peito
como se todo o corpo
merecesse fruir a dádiva
do ressentimento

Era doce o gosto desse sumo
talvez só um pouco menos
que o sumo da vingança
e a memória se comprazia
em reavivar a lembrança
dos ultrajes e dos agravos

Assim foi no início
mas aos poucos
o rancor arrefeceu
na raiz
no caule
na seiva
e hoje o fruto
precisa ser espremido
para dar aos lábios
algumas gotas sem sabor

Seria hora
de deixar a árvore morrer
e permitir que aflorasse a paz

Mas no fundo da memória
há um espinho que lateja
e instiga a carne
e incita a alma
e exige que clamem ainda
por mais um pingo de sumo
pelo menos mais um
para retaliar
alguma ofensa
que nem ela memória
sabe mais com certeza
qual foi

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