quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Atroz acróstico

Sim, confesso, eu já cometi um acróstico, aquela abominável composição poética (!!!) em que as letras iniciais de cada verso formam um nome (geralmente de mulher). Seria mais fácil admitir que, quando menino, incentivado por minhas irmãs, cheguei a fazer bordados. Havia em meu bairro uma garota chamada Irene que me fez descobrir que em determinadas situações, às quais ela sempre estava presente, meu coração desandava a comportar-se como aquele almirante louco de que fala Fernando Pessoa. Uma tarde, com o coração assim desgovernado e um tratado de versificação, burilei (a palavra era essa) um acróstico que, lido em voz alta, me pareceu a chave certa para conquistar Irene. Tinha julgado essa etapa a mais difícil, mas logo percebi que entregar a chave é que era a grande questão. Sem coragem para ir eu mesmo, encarreguei disso um amigo e, delegada assim a incumbência, fiquei a esperar, antegozando a vitória. Devo dizer que fui paciente. Até hoje, depois de tantas décadas, não recebi a resposta. Para não afetar minha autoestima como poeta, atribuí o fracasso à incúria do meu amigo no desempenho de sua missão de carteiro e o execrei mentalmente por isso. Hoje penso que, se ele rasgou o papel com a caprichada letra e cada uma das iniciais de Irene desenhada com lápis de cores diversas, terá feito o certo. Mesmo assim, de vez em quando tenho pesadelos em que me levam a um tribunal e sacudindo a folha em meu rosto arrasado pela vergonha me perguntam: "Este acróstico é seu?" Ter escrito um acróstico é pior que admitir a existência de um vampiro na família.

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