quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Os gênios

Na década de 1950, a Biblioteca Municipal Mário de Andrade era frequentada por jovens gênios que, prometendo derrubar os escritores consagrados e não tendo ainda uma produção que pudessem apresentar, se empenhavam em cumprir sua promessa pichando os muros da Consolação e da Bráulio Gomes com ofensas à velha guarda literária. Tudo nos parecia (e aqui confesso que minha presunção me colocava entre os revolucionários) muito simples: derrubada a literatura antiga, a nova se instalaria quase automaticamente. Cada um de nós tinha na cabeça pelo menos uma obra-prima que dependia apenas de ser escrito o primeiro parágrafo para emergir gloriosa. E, embora execrássemos todos os ocupantes de cadeira na Academia Brasileira de Letras, sonhávamos com o dia em que, estando eles devidamente destituídos, nós ocuparíamos suas vagas e transformaríamos a ABL numa instituição que faria o planeta curvar-se assombrado diante de nosso talento. Cada um de nós era um Rimbaud melhorado, esperando a consagração. Tolos que fomos, insuportáveis que éramos. Mas havia quem nos superasse em matéria de presunção e aspirasse a algo bem mais elevado. Ele tinha uns dez anos a mais que nós, seu sotaque era piracicabano e com seus peculiares "erres" ele se proclamava simplesmente Jesus Cristo. Com essa credencial, vivia interrompendo nossos debates artísticos para relatar como tudo seria melhor quando ele anunciasse ao mundo todo sua volta. Numa noite em que nos excedemos no conhaque, julgamos que havia chegado a hora de ele se revelar enfim à humanidade. Nós o agarramos e, aos gritos de "Vamos crucificar, vamos crucificar", o levamos até um poste. Ele, que apesar da santidade havia bebido tanto quanto nós, rapidamente se recuperou e começou a berrar: "Socorro! Socorro!" Indignados, nós, também aos berros, perguntamos se afinal ele era ou não Jesus. Sua alegação, desesperada e patética, o salvou: "Eu sou, eu sou, sim, porra, mas ainda não estou preparado para a minha missão." Nós o deixamos ir e continuamos nossa discussão literária. Nunca mais ele apareceu. Quanto à esperada genialidade daquela geração, posso testemunhar que Dalton Trevisan não frequentava a Mário de Andrade.

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