sexta-feira, 2 de março de 2012

O ofício do escritor

Há quem queira nos fazer acreditar que se pode ser escritor por um tempo determinado - três meses ou três anos -, como se escrever fosse algo semelhante a um hobby. Ser escritor pode não ser o mais belo dos ofícios, mas tentar colar nele o selo da transitoriedade é indigno, quase infame. Drummond dizia que ser escritor era uma atitude perante a vida, um compromisso que, depois de firmado, obrigava quem o assumisse a ser escritor todo o tempo, pelo resto da vida - e ser escritor, nesse sentido amplo, significava, se não estar escrevendo sempre, ao menos estar pensando em como se traduziria, em linguagem literária, cada momento vivido. No entanto, os paraquedistas, aqueles que caem na literatura como se tivessem sido desapeados de uma miraculosa nuvem, continuam fazendo aparições espetaculares. Há algo de simpático nisso, e é útil na medida em que acaba com o mito de que o escritor é predestinado. Mas há o lado negativo, aquele de se presumir, adotando-se o indesgastável lema da autoajuda - querer é poder -, que, como se estivéssemos falando de alguma dieta mágica ou de um novo método de exercício físico, é possível ser escritor por uns tempos (digamos de março de 2012 a janeiro de 2013) e depois, conforme tenhamos julgado a experiência, partir para outra. Recentemente, uma atriz de grande sucesso ligou para um editor, às pressas, comunicando-lhe que havia escrito quarenta páginas de algo que ela não sabia definir bem o que era e perguntando-lhe o que deveria fazer com o texto. Em noventa e nove por cento dos casos, quem se atrevesse a dar a um editor um telefonema como esse teria recebido, se resposta lhe fosse dada, uma sugestão chula. No caso, porém, o editor aconselhou a atriz a enviar-lhe urgentemente o texto. Depois decidiriam em que categoria literária ele poderia inscrever-se. Se um escritor telefonasse para um diretor de novelas dizendo-lhe que acabara de fazer mímicas no espelho, decerto não seria encorajado a ir repetir as mímicas no estúdio de tevê. Mas, principalmente na época das bienais, é comum aparecerem - e logo tomarem parte substancial do noticiário - homens e mulheres de quarenta ou cinquenta anos que confessam, candidamente, ter "resolvido", depois de tantas décadas, ser escritores.

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