sábado, 24 de março de 2012

Oferendas da manhã

Escrever versos e mandá-los àquela que os inspirava era sua ocupação diária. Por não confiar muito em seus poemas, fazia questão de compensar essa falha enviando também, no início ou no fim das mensagens, um sol que aprendera a forjar com um estratagema qualquer no micro. Hoje se lembrou dessa época, tanto tempo já passado, e, como se fosse um desajeitado arrombador de cofres, ficou apertando a esmo as teclas e buscando combinações. Tentou, tentou e, não conseguindo, entrou em pânico: e se a amada, tocada repentinamente pela saudade, retomasse a correspondência? Como faria para lhe mandar aquele sol que era como um carimbo, um beijo, um afago? Olhou pela janela e a manhã, assim como as teclas, lhe negou o sol. Apanhou o bloco, a canetinha, e por duas horas escreveu versos cujas rimas e cuja métrica, mais do que nunca, escarneceram de sua inabilidade. Como se fosse um personagem de um mau romance, teve um presságio. Abriu a porta que dava para o quintal e, num dos degraus da lavanderia, viu um passarinho. Pegou-o. Estava frio e rígido como uma pedra. Embrulhou-o em um caderno de jornal e o colocou no lixo. A morte do amor lhe parecia abençoada agora. Melhor assim. Se fosse mandar algo, seria isso que teria: uma manhã sem sol, versos desconjuntados, um pássaro morto e algumas lágrimas.

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