quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Salvação

Os crentes bateram à minha porta domingo. Traziam-me a salvação. Eu os olhei escondido atrás da cortina. Eram homens, mulheres e crianças. Vêm sempre assim, em família. Rostos de gente boa, disposta a dar um tempo de sua vida, reservar uma parte de um domingo ensolarado para tocar a campainha de homens como eu e dizer-lhes que nem tudo é tão ruim quanto parece. Fiquei a observá-los furtivamente. Receava que, saindo ao sol, meus pecados se revelassem todos no meu rosto. Talvez eles tenham me adivinhado atrás da cortina, mas não tocaram de novo a campainha. Esperaram pacientemente. Só cinco minutos depois se puseram a andar. Um dos garotos apontou uma pipa no céu. Outro olhou também, mas o olhar de um e o olhar do outro foram só um instante de distração, um segundo, não mais, depois do qual os dois, recompenetrando-se, seguiram seu caminho de jovens pregadores, empertigados em seus terninhos escuros, sob um céu azulíssimo onde as pipas, dezenas, continuavam a tentá-los, corcoveando como cavalos esporeados pelo Demônio.

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