quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Um poema de Dalton Trevisan

"UMA ROSA PARA JOÃO

"Por volta de três da manhã
os moradores da favelinha
ouviram gemidos na rua
uma voz agonizante pedia socorro
com medo ninguém acudiu

de manhã o morto ali em paz
já não tinha nenhum lugar pra ir
o único sem pressa pra nada

o cabo André e o soldado Tito
deram com a cena nunca vista

o corpo sangrado de golpes
os braços abertos em cruz
o punhal até o cabo no peito

uma pequena coroa de rosas
em torno do rosto barbudo

uma flor espetada na boca

o próprio assassino quem diria
cuidou das pompas fúnebres

foram ao todo quinze pontaços
oito no pescoço
quatro no rosto
um no peito um na testa outro na mão

três montinhos de terra
aqui a cabeça ali os pés
demarcavam o corpo

mais o punhal de sangue
o velho par de chinelos
o boné com a inscrição Jesus
um cachimbo partido
a garrafa de pinga vazia

o inventário de todos os bens
no último dia de uma vida

o colega Pipoca deu o serviço
o nome era José João de Jesus
morador de rua
catava latinha
virou andarilho por conta do vício
pela droga e a cachaça

depois de tudo perder
sem mais nada
nadinha de nada
trocando a mulher
por trinta pedras
vendeu a filha
por um tantinho de pó."

(Do livro O anão e a ninfeta, publicado pela Editora Record.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário