terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

No jornal (Major Quedinho) - 49 - O romântico trapalhão

Era um revisor velhusco, mas com um coração de adolescente, segundo suas próprias palavras. Vangloriava-se de tantas conquistas que acabou despertando certo despeito. Estava difícil aturar a pose do dom-juan de cabelos brancos. Montou-se um esquema para dar-lhe uma lição e acabar com sua empáfia. Tudo começou com um telefonema que uma mulher, participante da trama, deu à revisão para se declarar apaixonada por ele. A resposta foi apaixonada também, como convinha ao nosso Romeu, e uma série de outros telefonemas armou a teia na qual haveria de se enredar o romântico revisor. A cena final foi preparada de tal maneira que pudéssemos acompanhá-la. A mulher marcou encontro com ele diante da Biblioteca Municipal Mário de Andrade. Poderíamos ver tudo das janelas do quarto andar. E foi lá que nos postamos no dia do encontro. O revisor de melenas de neve saiu com ares de de vitorioso, olhando-nos com desdém. Nós o vimos atravessar a São Luís, entrar na Consolação e caminhar empertigado para o saguão da biblioteca. Ficou ali por mais de meia hora, olhando para todas as direções e para o relógio. Depois, sumiu do nosso campo de visão. Imaginamos que estivesse voltando para o jornal, mas isso ele fez somente duas horas depois, com jeito de galã vencedor de Oscar. "E então?", perguntamos. "Isso é coisa que se pergunte?", ele disse. "Nem conto, nem conto." E não contou. Algum tempo depois, esse revisor participou de outro episódio. Começou a falar diariamente de uma garota linda, maravilhosa, encantadora, que se apaixonara tresloucadamente por ele. Cada noite ele nos contava mais um capítulo de suas venturosas aventuras. Até que veio a revelação, que era uma declaração de triunfo: havia alugado um apartamento e o mobiliara, para ser seu ninho de amor (palavras dele). A garota já havia se mudado para lá de mala e cuia (expressão também dele). Alguns dias mais tarde, notando-o cabisbaixo, fomos lhe perguntar se estava doente. Respondeu que, se fosse doença, estaria feliz. Era mais grave o problema. Na véspera, tinha ido inaugurar seu ninho. Tocara a campainha e aparecera sua linda garota, mas à frente dela estava um rapagão de um metro e noventa, que calmamente disse: "Olhe aqui, velhinho. Se você aparecer de novo aqui, eu quebro todos os seus ossos!" Para reforçar a ordem, pegou-o pelo colarinho engomado. "E é bom pagar direitinho os doze meses de aluguel que estão no contrato, senão a sua mulher vai ficar sabendo que velho sacana que você é."

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