quarta-feira, 27 de março de 2013

Um trecho de "Lolita", de Nabokov

"E a menos de quinze centímetros de mim e de minha vida em brasa estava a difusa Lolita! Após um longo período de imobilidade, meus tentáculos novamente moveram-se em direção a ela, e dessa vez o estalido do colchão não a despertou. Consegui trazer a massa voraz de meu corpo tão perto dela que sentia a aura de seu ombro nu como um sopro cálido em minha face. De repente, ela sentou, deu um suspiro profundo, murmurou com insana rapidez alguma coisa sobre uma canoa, repuxou as cobertas e voltou a mergulhar em sua doce e jovem inconsciência. Agitando-se naquela corrente abundante de sono, num momento ruiva, no outro lunar, seu braço bateu contra meu rosto. Segurei-o durante um segundo. Ela se libertou da sombra de meu abraço - fazendo-o de modo instintivo, sem violência, sem repugnância, mas com o sussurro neutro e queixoso de uma criança que exige seu descanso natural. E outra vez voltamos à estaca zero: Lolita oferecendo a Humbert suas costas encurvadas; Humbert, a cabeça apoiada na mão, incendiado de desejo e azia."

(Tradução de Jorio Dauster, Biblioteca Folha.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário