terça-feira, 30 de abril de 2013

O corriqueiro

Um amigo o chamou ontem de corriqueiro, por certas confissões de natureza sentimental que ele anda fazendo. Segundo o amigo, estaria lhe faltando etiqueta. Ele não acha. O amor, para ele, nunca foi um assunto social, desses que são tratados com luvas de pelica e conselhos de Glorinha Kalil. O amor foi um tufão que sacudiu cada hora dos seus três últimos anos e estremeceu suas relações familiares, deixando-as à beira da ruptura. Nunca mais elas serão como eram. Nesses anos o amor foi o grande acontecimento de sua vida, e ele, não tendo olhos nem coração para nada mais, só falou e só escreveu sobre isso. Foi uma obsessão que o levou várias vezes do paraíso ao inferno e do inferno ao paraíso. No blog que mantém há cinco anos, uma espécie de diário, ele tentou, em respeito aos leitores, dar um tratamento literário ao tema, praticamente o único que o ocupou nesse período. Como escritor, embora autorreconhecidamente limitado, julga ter o dever de ser sincero. Não pode apresentar como ficção o que a percepção dos leitores reconhece imediatamente como real. Não pode, nem quer, transferir tudo para uma terceira pessoa. Não encontra outro modo de proceder e não vê por que, tendo sido tantas vezes tentado até a dar cabo de si por uma situação que não foi criada só por ele, deva sofrer calado. Feriu pessoas muito próximas e é culpado disso, sem dúvida. Mas se sentiria pior se houvesse agido de má-fé. É triste, mas real, não ter como desculpa senão a velha impossibilidade de resistir ao amor, quando o amor vem com a força dos verdadeiros. Embarcou no amor com honestidade, pisando em cinco décadas de relações afetivas consolidadas, e calar-se seria como reconhecer que fez isso por algo banal, por alguns encontros voltados ao entretenimento, como se o amor pudesse ser isso. Para ele, o amor não foi jamais encarado como um convite para horas agradáveis, com tempo determinado para durar e acabar. A história talvez não seja conhecida por mais de duas dezenas de pessoas, mas ele julga conveniente dizer, para não excitar indevidamente imaginações, que tudo ficou só no espírito, na alma e no coração - com todo o espírito, toda a alma e todo o coração. Foi bom ter sido assim.

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