quarta-feira, 23 de outubro de 2013

O jogo

Eu também entrei no jogo do amor. Disseram-me que era simples, eu acreditei. Eu era triste e pensei que o jogo talvez pudesse me ensinar coisas básicas como abrir um sorriso. No início, aplaudiram tudo que fiz. Eu estava indo muito bem. Um dia, ouvi uma conversa e caí das nuvens. Assim como jamais ninguém me pegou no pega-pega quando menino, descobri que estava sendo poupado, como naquele tempo. Eu servia apenas para completar o número de participantes. Eu era sempre o terceiro ou o quarto, às vezes o quinto. A organizadora do jogo me usava para ser seu pateta. Eu fazia poemas, eu arregimentava sóis e luas, eu subia ao ponto mais alto do navio e  ninguém me alcançava. A dona do navio e seus marinheiros tentavam, tentavam, mas ninguém me tocava. Ao ouvir por acaso uma conversa deles, descobri que o objetivo do jogo era todos se apanharem. Perguntei a eles, perguntei a ela por que faziam aquilo comigo, por que não me apanhavam também. Explicaram-me que eu era muito fácil, que eu não valia a pena. Quando chorei, disseram-me que, se eu quisesse participar de alguma forma, poderia ser como espectador. Não deveria ter aceitado. Aceitei. Vejo como se abraçam, como se dão, ela e seus marinheiros, como durante o jogo o navio se empina e salta melhor as ondas, como um cavalo selvagem. Não são maus, no fundo, nem ela nem eles. Às vezes, perguntam se eu posso ir pegar algum acessório que esqueceram. Eu vou. Eu pego.

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