terça-feira, 18 de março de 2014

Reflexões de um lobo

As três corças se aproximam da beira do riacho. O sol já se deita, mas há ainda claridade suficiente, e estranho que elas ousem mostrar-se. Coloco-me de modo a que o vento não lhes leve meu cheiro, e me aproximo. Uma das corças então diz: o lobo deve estar à espreita. As outras duas põem-se a zombar de mim. Comentam que estou velho demais, cego e sem dentes. Não posso contestar essas palavras. São verdadeiras. A mais nova das corças revela receio, mesmo assim, mas as outras duas a tranquilizam. Asseguram-lhe que, se eu tivesse a coragem de aparecer, as três dariam conta de mim. A que parece menos jovem diz estar sentindo meu cheiro e sugere que talvez seja hora de me darem uma lição e me fazerem correr de volta ao lugar de onde vim. Meu orgulho de lobo me enraivece, mas a fraqueza das patas me sugere que eu me afaste. É o que faço, evitando qualquer ruído ao me retirar. Quem sabe o que essas três corças podem fazer comigo? Preciso aprender a dormir enfurnado. Com o cheiro que exalo, um dia posso acordar bicado pelos urubus.

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