quarta-feira, 30 de abril de 2014

Trecho de "Aurélia", de Gérard de Nerval

"Amei durante muito tempo uma dama a quem chamarei de Aurélia e que perdi para sempre. Pouco importam as circunstâncias desse evento que devia ter uma influência tão grande em minha vida. Cada um pode buscar em suas lembranças a emoção mais pungente, o golpe mais terrível desferido sobre a alma pelo destino; há então que se resignar a morrer ou viver - direi mais tarde por que não escolhi a morte. Condenado por aquela a quem amava, culpado de uma falta cujo perdão não tinha mais esperança, só me restava lançar-me em exaltações vulgares. Fingindo alegria e indiferença, corri o mundo loucamente apaixonado pela instabilidade e pelo capricho. Das populações longínquas
eu gostava sobretudo dos modos e costumes bizarros, parecendo-me assim abstrair as condições do bem e do mal, os termos, por assim dizer, daquilo que é sentimento para nós franceses. Que loucura, dizia a mim mesmo, amar assim platonicamente uma mulher que não mais te ama! Isso é culpa das minhas leituras; levei a sério as invenções dos poetas, e fiz para mim uma Laura ou uma Beatriz de uma pessoa comum de nosso século... Passemos a outras intrigas, e esta logo se apagará. O delírio de um alegre carnaval numa cidade da Itália afastou todas as minhas ideias melancólicas. Sentia-me tão feliz e aliviado que compartilhava minha alegria com todos os amigos, e, nas minhas cartas a eles, punha um estado constante de espírito que não passava de superexcitação febril."

(Tradução de Luís Augusto Contador Borges, publicação da Iluminuras.)

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