segunda-feira, 21 de abril de 2014

"Grafito para Ipólita", de Murilo Mendes

"A tarde consumada, Ipólita desponta.

Ipólita, a putain do fim da infância,
Nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara,

Seus passos feminantes fundam o timbre.
Marcha, parece, ao som do gramofone.

A cabeleira-púbis, perturbante.
Os dedos prolongados em estiletes.

Os lábios escandindo a marselhesa
Do sexo. Os dentes mordem a matéria.

O olho meduseu sacode o espaço.
O corpo transmitindo e recebendo

O desejo o chacal a praga o solferino.
Pudesse eu decifrar sua íntima praça!

Expulsa o sol-e-dó, a professora, o ícone.
Só de vê-la passar, meu sangue inobre
Desata as rédeas ao cavalo interno.

                          2

Quando tarde a revejo, rio usado,
Já a morte lhe prepara a ferramenta.

Deixa o teatro, a matéria fecal.
Pudesse eu libertar seu corpo (Minha cruzada!)

Quem sabe, agora redescobre o viso
Da sua primeira estrela, esquartejada.

                          3

Por ela meus sentidos progrediram.
Por ela fui voyeur antes do tempo.

                          4

O dia emagreceu. Ipólita desponta."

(De Melhores poemas de Murilo Mendes, seleção de Luciana Stegagno Picchio, publicação da Global Editora.)



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