segunda-feira, 23 de junho de 2014

Um poema da Dama Hou (séculos V-VI)

"A partir do dia em que acedi aos aposentos luminosos
Nunca pude dar mostras da minha profunda gratidão.
Durante os sete ou oito anos no palácio da Porta Longa
Jamais voltei a ver o Senhor meu soberano.
O frio primaveril penetra os ossos na sua pureza gelada
Eis-me aqui melancólica e deitada no quarto vazio
Ou então soprando o vento dar um passeio no pátio embaixo
Sombrios pensamentos lamentos vãos
Todos os dias nisto lamento e amo
Não é frequente ser chamada para o serviço pessoal
A beleza serve para ser repudiada
Lábil é o mandato da vida: Como validá-lo?
Está bem longe realmente o favor do senhor
Suspensos desejos, os da concubina
Não tem ali próximos parentes, de carne e osso?
Sobretudo a velha mãe, na sala do Norte.
Mas este é um corpo sem penas nem asas
Que inventar para poder sair dos muros altos?
A natureza e a vida são seguramente preciosas
É bem duro separarmo-nos delas.
Suspendo um pedaço de seda na trave mestra laca vermelha
O fígado e as vísceras queimam como água a ferver
Ao estender a nuca, ainda me arrependo
Como se com um fio me tirasse as entranhas.
Cheguemo-nos com firmeza ao lugar de morrer
Regressaremos daqui ao reino das trevas."

(De Uma antologia de poesia chinesa, tradução de Gil de Carvalho, publicação da Assírio & Alvim, Lisboa.)

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