sábado, 23 de agosto de 2014

"Agradecimento", de Wislawa Szymborska

"Devo  muito
aos que não amo.

O alívio de aceitar
que sejam mais próximos de outrem.

A paz que tenho com eles
e a liberdade com eles,
isso o amor não pode dar
nem consegue tirar.

Não espero por eles
andando da janela à porta.
Paciente
quase como um relógio de sol,
entendo o que o amor não entende,
perdoo,
o que o amor nunca perdoaria.

Do encontro à carta
não se passa uma eternidade,
mas apenas alguns dias ou semanas.

As viagens com eles são sempre um sucesso,
os concertos assistidos,
as catedrais visitadas,
as paisagens claras.

E quando nos separam
sete colinas e rios
são colinas e rios
bem conhecidos dos mapas.

É mérito deles
eu viver em três dimensões,
num espaço sem lírica e sem retórica,
com um horizonte real porque móvel.

Eles próprios não veem
quanto carregam nas mãos vazias.

'Não lhes devo nada' -
diria o amor
sobre essa questão aberta."

(Do livro Poemas de Wislawa Szymborska, tradução de Regina Przybycien, publicado pela Companhia das Letras.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário