sexta-feira, 31 de outubro de 2014

"Funeral", de Wislawa Szymborska

"Tão de repente, quem podia adivinhar?"
"nervos e cigarro, eu bem que avisei"
"mais ou menos, obrigado"
"desembrulhe essas flores"
"o irmão também foi do coração, deve ser de família"
"com essa barba eu nunca ia reconhecer você"
"a culpa é dele, estava sempre metido em alguma"
"aquele novo ia fazer o discurso, não consigo encontrar ele"
"O Kazek está em Varsóvia, o Tadek no exterior"
"só você foi esperta, trouxe o guarda-chuva"
"e daí que era o mais talentoso deles"
"um quarto de passagem, a Baska não vai concordar"
"claro que ele tinha razão, mas isso ainda não é motivo"
"com uma portinha esmaltada, adivinha quanto"
"duas gemas, uma colherinha de açúcar"
"não era da conta dele, pra que isso"
"só azuis e só números pequenos"
"cinco vezes, e nenhuma resposta"
"que seja, eu podia, mas você também podia"
"ainda bem que pelo menos ela tinha esse cargo"
"não, não sei, talvez parentes"
"o padre é a cara do Belmondo"
"ainda não estive nessa parte do cemitério"
"sonhei com ele faz uma semana, foi um pressentimento"
"não é feia a filha"
"é  que nos espera a todos"
"deem pêsames à viúva por mim, tenho que correr para"
"no entanto em latim soava mais solene"
"foi-se, acabou-se"
"adeus, minha senhora"
"que tal uma cerveja"
"me ligue, a gente se fala"
"o número quatro ou o doze"
"vou pra cá"
"nós pra lá".

(De Poemas de Wislawa Szymborska, tradução de Regina Przybycien, publicação da Companhia das Letras.)

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