sexta-feira, 17 de junho de 2016

Quarto 303

Na oitava noite de hospital ele sentiu que seria a sua derradeira. Tinha se conservado vivo com a esperança de que alguém da família, ou algum amigo, fosse visitá-lo. Essa esperança estava morta, depois de diariamente as enfermeiras e as moças da recepção dizerem, em tom evasivo, que certo primo ou um antigo colega de jornal havia prometido aparecer no dia seguinte, sem falta. Ele tomou chá às oito horas, engoliu com dificuldade duas bolachas e, respondendo ao boa-noite da mulher que recolhera o carrinho com a xícara, o bule, a colher e o sachê de açúcar, sentiu, com o fulminante clamor das verdades, que ela seria a última pessoa que ele veria. Todo o seu corpo ficou instantaneamente gelado e ele soube que aqueles eram mesmo seus derradeiros momentos. Então, um pouco por medo da morte, outro pouco por uma súbita esperteza, deixou escorrer a urina pelas suas pernas, primeiro algumas gotas, depois um fluxo cálido, triunfal. Era como se estivesse entrando no paraíso. O calor o envolveu como uma dádiva, enquanto a mulher abria a porta do quarto e saía arrastando o carrinho pelo corredor. Agradecido por aquela última ventura, ele sorriu como um garoto que faz uma travessura, a maior de sua vida, e sabe que jamais será punido.

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