quinta-feira, 13 de outubro de 2016

"Medo do palco", de Wislawa Szymborska

"Poetas e escritores.
É assim que se diz.
Logo, poetas não são escritores, então o quê -

Os poetas são poesia, os escritores são prosa -

Na prosa pode caber tudo, inclusive a poesia,
mas na poesia deve haver só poesia -

De acordo com o cartaz que a anuncia
com o floreio art nouveau de um P maiúsculo,
inscrito nas cordas de uma lira alada,
eu deveria entrar voando, não andando -

E não estaria melhor descalça
do que com esse sapato comum
batendo o salto, rangendo,
desajeitado substituto de um anjo?

Se ao menos o vestido fosse mais longo, esvoaçante,
e os versos saíssem não da bolsa, mas da manga,
e versassem sobre a festa, o desfile, o sino solene,
dim dom
ab ab ba -

Mas lá no pódio já espreita uma mesinha,
meio de sessão espírita, com pés dourados,
e na mesinha esfumaça um castiçal -

De onde deduzo
que terei que ler à luz de velas
o que escrevi à luz de uma lâmpada comum
tac tac tac na máquina -

Sem me preocupar antes do tempo
se isto é poesia
e que poesia -

Se aquela na qual a prosa é malvista -
Ou aquela que é bem-vista na prosa -

E que diferença é essa,
perceptível apenas na penumbra,
sobre o fundo de uma cortina bordô
com franjas violeta?"

(De Um amor feliz, tradução de Regina Przybycien, edição da Companhia das Letras.)

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