quinta-feira, 6 de outubro de 2016

"Natureza-morta com um balãozinho", de Wislawa Szymborska

"Em vez da volta das lembranças
na hora de morrer
quero ter de volta
as coisas perdidas.

Pela porta, janela, malas,
sombrinhas, luvas, casaco,
para que eu possa dizer:
para que tudo isso.

Alfinetes, este e aquele pente,
rosa de papel, barbante, faca,
para que eu possa dizer:
Nada disto me faz falta.

Esteja onde estiver, chave,
tente chegar a tempo,
para que eu possa dizer:
Ferrugem, minha cara, ferrugem.

Caia uma nuvem de atestados,
licenças, enquetes,
para que eu possa dizer:
Que lindo o sol se pondo.

Relógio, aflore do rio
e permita que te segure na mão,
para que eu possa dizer:
Você finge ser a hora.

Vai aparecer também um balãozinho
levado pelo vento,
para que eu possa dizer:
Aqui não há crianças.

Voe pela janela aberta,
voe para o vasto mundo,
que alguém grite: Ó!
para que eu possa chorar."

(De Um amor feliz, tradução de Regina Przybycien, edição da Companhia das Letras.)

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